quinta-feira, 19 de março de 2015


 
Em homenagem a São José, compartilho este texto de Cecília Meireles, autora com a qual me identifico muito e aprecio cada poesia criada por ela. Que este ano São José possibilite aos agricultores um ano abençoado de chuvas!

Chuva com Lembranças
Cecília Meireles


COMEÇAM a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam, e continuam a pousar, às tontas, de jasmim em jasmim. As pedras estão muito quentes, e cada gôta que cai logo se evapora. Os meninos olham para o céu cinzento, estendem a mão — e vão tratar de outra coisa. (Como desejariam pular em poças dágua! — Mas a chuva não vem...)

Nas terras sêcas, tanta gente, a esta hora, estará procurando também no céu um sinal de chuva! E, nas terras inundadas, quanta gente a suspirar por um raio de sol!

Penso em chuvas de outrora: chuvas matinais, que molham cabelos soltos, que despencam as flôres das cêrcas, entram pelos cadernos escolares e vão apagar a caprichosa caligrafia dos exercícios.

Chuvas de viagens: tempestades na Mantiqueira, quando nem os ponteiros dos pára-brisas dão vencimento à água; quando apenas se avista, recortada na noite, a paisagem súbita e fosfórea mostrada pelos relâmpagos. Catadupas despenhando sôbre Veneza, misturando o céu e os canais numa água única, e transformando o Palácio dos Doges num imenso barco mágico, onde se movem, pelos tetos e paredes, os deuses do paganismo e os santos cristãos. Chuva da Galiléia, salpicando as ruas pobres de Nazaré, regando os campos virentes, toldando o lago de Tiberíades coberto ainda pelo eterno olhar dos Apóstolos. Chuva pontual sôbre os belos campos semeados da França, e na fluida paisagem belga, por onde imensos cavalos sacodem, com displicente orgulho, a dourada crina...

Chuvas antigas, nesta cidade nossa, de perpétuas enchentes: a de 1811, que, com o desabamento de uma parte do morro do Castelo, soterrou várias pessoas, arrastou pontes, destruiu caminhos e causou tal pânico que durante sete dias as igrejas e capelas estiveram abertas, acesas, com os sacerdotes e o povo a implorarem a misericórdia divina. Uma, de 1864, que Vieira Fazenda descreve minuciosamente, com árvores arrancadas, janelas partidas, telhados pelos ares, desastres no mar e “vinte mil Lampiões da iluminação pública completamente inutilizados”.

Chuvas modernas, sem trovoada, sem igrejas em prece, mas com as ruas igualmente transformadas em rios, os barracos a escorregarem pelos morros, barreiras, pedras, telheiros a soterrarem pobre gente. Chuvas que interrompem estradas, estragam lavouras, deixam na miséria aquêles justamente que desejariam a boa rega do céu para a fecundidade de seus campos.

Por enquanto, caem apenas algumas gôtas daqui e dali. Nem as borboletas ainda percebem. Os meninos esperam em vão pelas poças dágua onde pulariam contentes. Tudo é apenas calor e céu cinzento, um céu de pedra onde os sábios e avisados tantas coisas liam outrora:

"São Jerônimo, Santa Bárbara Virgem,

lá no céu está escrito, entre a cruz e a água benta:

Livrai-nos, Senhor, desta tormenta!””

Texto extraído do livro “Quadrante 2 - 4ª Edição (com Biografias)”, Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963, págs. 48 e 49.
 

terça-feira, 17 de março de 2015

POESIA

 PODERGANANCIALIDADE


Que sociedade é essa?

Paira pelo ar cheiro de ganância
E evidência de ânsia pelo poder.

Tudo para manter status!

Que sociedade é essa?
Que tem fome de poder ,
Desejo de estar à frente de tudo e de todos,
Ânsia de estar acima de qualquer outro
Tudo em busca de posição e prazer de ambição.

Não sei até onde vai ser possível
Essa sociedade medíocre
Achar que está acima do bem e do mal
Que para conseguir manter certo "status"
Pensa que é um ser superior e maioral.

E agora, educação?
O sonho acabou,
A inteligência dissipou,
O conhecimento sumiu,
O ser humano murchou,
E agora, educação?

Não, não acredito nessa incompetência.
A educação é grandiosa,
o sonho não morre, não acaba
A inteligência é autossuficiente,
O ser humano é autônomo e persistente,
A sociedade é passível de mudanças.

Acredito na vida,
Acredito no amor,
Acredito que o mundo
Ainda agirá a seu favor,
Pois aqueles que sonham
Continuam a lutar
Por uma humanidade sem dor.
 
                                                 Liédja Lira.